'Medidas de ajuste não passam no Congresso do jeito que estão'



Delcídio do Amaral, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado ( foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Em seu segundo mandato pelo PT do Mato Grosso do Sul, o engenheiro eletricista Delcídio do Amaral, 60 anos, é o novo presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado. Responsável pela aprovação de diretores do Banco Central e de agências regulatórias, a Comissão terá importância redobrada neste ano de ajuste fiscal. Embora as medidas provisórias não passem pela CAE, é nos depoimentos à Comissão que ministros devem defender as medidas para equilibrar as contas públicas. Integrante do partido do governo, Amaral vai trabalhar pelo ajuste, mas avisa, em entrevista à DINHEIRO, que o Executivo terá de negociar com os parlamentares se quiser ver os projetos aprovados. “Elas não passam no Congresso do jeito que estão”, afirma.

Quais são os principais desafios da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) neste ano?
A CAE é, sem dúvida nenhuma, o grande foro de debates das principais medidas do governo na área econômica. Há assuntos que não passam necessariamente pela CAE, mas é ela que encaminha o tratamento que será dado a determinadas matérias. Por exemplo, as medidas provisórias. Elas têm comissão própria, mas tratam de assuntos que a CAE discute em audiências, trazendo ministros para prestar esclarecimentos. A CAE funciona como uma espécie de formadora de opinião de senadores quando essas medidas forem à votação em plenário. Já temos uma agenda de participação dos ministros. Neste mês, estamos trazendo o Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, o Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, e o Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Com todo o respeito que eu tenho pelas outras comissões, a CAE é por onde vão passar todas as medidas econômicas do governo. Ela é o farol do que será debatido neste ano de ajuste.

Como está o ambiente para a aprovação dessas medidas de ajuste?
Eu acho que elas serão negociadas. Assim como fizeram com o Imposto de Renda, haverá algum tipo de negociação. Elas não passam no Congresso do jeito que estão. Ainda haverá economia de gastos públicos, sem dúvida nenhuma. Mas as modificações podem alterar um pouco aquele espírito inicial de cortes, fazendo um ajuste importante, mas mais suave ao longo do tempo. O governo tem outros instrumentos, além das mudanças, que precisam da aprovação do Congresso. Tem o corte do Orçamento, o contingenciamento de gastos. O tamanho do ajuste fiscal é muito maior do que essas medidas.

O senhor também está comprometido com o superávit de 1,2% do PIB?
O ajuste precisa ser feito. Mas o governo também precisa mostrar porque estão sendo feitos. É preciso retomar a questão das concessões, retomar o PAC 3. Com a aprovação do Orçamento, prevista para a próxima semana, retoma-se o pagamento dos PACs anteriores, as emendas que foram empenhadas começam a ser liberadas e os recursos enviados para as prefeituras. O governo precisa falar dos ajustes dentro de um contexto maior. Senão, fica uma agenda só negativa. E o governo não está conseguindo fazer isso. Eu conversei com o Nelson Barbosa sobre isso, também falei com a presidente Dilma Rousseff. Precisamos mostrar tudo o que precisa ser feito, e o que acontecerá com o País. Temos de perseguir a meta de 1,2% de superávit. É importante para atrair investimentos, para baixar a inflação. A inflação vai subir, isso é inegável, mas do terceiro trimestre em diante ela começa a cair.

A inflação oficial pode passar de 8% nos próximos meses?
Não. Pelas informações que eu tenho, vai ficar nesse nível atual. Também como fruto desses ajustes de preços de serviços públicos que estão ocorrendo. Tem que mexer no ânimo para as pessoas perceberem que este é um conjunto de ações. É preciso enviar uma sinalização do que vai ser o Brasil a partir do momento em que se tome as medidas necessárias.

O acordo para a correção da tabela do Imposto de Renda na última hora, com a aceitação da proposta do Senado, não é uma sinalização negativa?
Ao contrário. O governo está começando a enxergar que precisa negociar. O governo entendeu que essa história de que a economia vai bem, o resto não interessa, não funciona. Se a política não for bem, a economia não vai bem.

E como está a política?
Por enquanto, patinando. Para melhorar, o governo precisa preparar propostas, discutir com o Congresso, explicar o porquê, mostrar a importância desses atos do governo, para que as pessoas entendam para onde vão os investimentos em infraestrutura, os investimentos em modernização, em aumento da competitividade. Precisa juntar essas coisas. Não ficar só em cima de uma pauta negativa.

Está um pouco difícil sair dessa pauta negativa porque tem problemas, como a Operação Lava Jato, que envolveu as maiores empreiteiras do País. Isso não pode dificultar o lançamento das concessões de infraestrutura?
Traz impacto, claro. Mas a intenção é calibrar bem essa questão das concessões para quando você botar o edital na rua não dar deserto. Mesmo que não dê para fazer isso agora, é preciso colocar no radar. Nenhuma crise é solitária, sempre decorre de uma junção de fatores externos e internos. Mas, sem dúvida nenhuma, a situação da economia brasileira exige um cuidado especial.

E que impacto pode ter a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras?
Acho que tem uma defasagem muito grande entre as investigações da Polícia, a do Ministério Público e a da CPI. Por exemplo, a CPI dos Correios (comissão criada em 2005 para investigar desvios de recursos públicos na estatal, presidida por ele, e que resultou no Mensalão) fez uma investigação própria. Ela recebeu suporte do Ministério Público, da Polícia Federal, mas liderou o processo. Apresentou um relatório, fruto das investigações, que encaminhou para a Procuradoria, que depois encaminhou para o Supremo Tribunal Federal. Agora não. Agora a investigação do Judiciário está muito à frente dos trabalhos da CPI. É verdade que pode haver um impacto político, um impacto de opinião. Isso é inegável. E pode haver alguma novidade. Mas as investigações na Justiça já avançaram muito.

Qual é a sua análise dos protestos contra a presidente Dilma: primeiro foi o panelaço, no domingo passado, depois a vaia, na terça-feira. Isso assusta o governo?
Numa democracia, quando as pessoas estão insatisfeitas, elas externam de várias maneiras. É um alerta que mostra claramente que a gente precisa avançar. E entender um novo Brasil que foi construído nos últimos anos. Ele tem novos valores, até como fruto do que o próprio ex-presidente Lula e governos anteriores fizeram. E nós temos de entender essa nova sociedade.

Tem um tema que ficou parado nos últimos anos, que é a reforma do ICMS.
Esse é o grande tema que vamos retomar. Terminou o ano passado sem solução. São muitos assuntos ligados ao pacto federativo, passando pela guerra fiscal e a convalidação dos incentivos fiscais já concedidos. E vamos também retomar a discussão sobre a dívida dos Estados. Eu comecei a discutir esse tema da outra vez que presidi a CAE e o Nelson Barbosa era secretário-executivo do Ministério da Fazenda, em 2011, 2012 (o Executivo chegou a fechar um acordo com o Congresso, mas Barbosa deixou o governo e o acordo não avançou). Alguns temas já avançaram. Aprovamos o fim da guerra dos portos, acabamos de aprovar a mudança no pagamento do ICMS do comércio eletrônico. Depois de muita discussão, fizemos uma tabela progressiva, que inicialmente vai dar 80% ao Estado de origem e 20% ao destino e, ao fim de cinco anos, o ICMS será cobrado totalmente no destino. Durante muito tempo a mudança não era aprovada por resistência de São Paulo, que ficava com quase a totalidade dos recursos, mas agora houve acordo. Também temos de avançar na renegociação das dívidas estaduais. Ela é corrigida por um indexador que ficou defasado, muito maior do que a Selic. Isso torna a dívida impagável. Teremos de fazer um debate forte com o Executivo. Não é simples. Mas temos de encarar, porque os Estados estão numa situação crítica, não têm dinheiro para nada. Temos ainda outra pauta relativa ao sistema financeiro, que envolve uma série de regulamentações, modernização e flexibilização. E estamos preparados para debater outras medidas que o governo ainda terá de tomar.


COMENTÁRIOS