'Servir bebida alcoólica a menores dará cadeia até para os pais', diz coordenadora do juizado


Dourados News

A entrevista desta semana do Dourados News é com Nélida Garcia Soares, 50, coordenadora dos fiscais do juizado dos menores.

 

Na conversa, a profissional esclarece os novos aspectos do novo texto da lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que torna crime vender, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica à menores de idade.

As mudanças valem também para quaisquer outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica e quem não cumprir com a medida pode ser detido –dois a quatro anos- e ainda levar multa de R$3 a R$10 mil.

Graduada em Direito, Nélida atua no judiciário há 30 anos e desde 2011 está a frente do atual cargo. Ela cita que sempre notou o descaso com essa questão e acredita que agora com uma punição de maior rigor, os comerciantes e familiares devem se preocupar mais com a questão.

A coordenadora fala também da dificuldade na coibição dessa prática no município, considerado como “cidade universitária” e devido a isso se tem muitas festas de calouros, nas quais o bar é de acesso de todos, inclusive de menores. Outra festa que de acordo com ela se flagra muitos adolescentes consumindo bebida alcoólica é a Expoagro, exposição agropecuária tradicional na cidade e que terá sua edição no próximo mês.

Para a profissional, a nova e mais rigorosa medida vem para auxiliar a combater essa prática, ajudando também a evitar que crianças e adolescentes fiquem em situação de risco.

Nélida ressalta que o órgão tem feito uma fiscalização grande nesse aspecto junto a Polícia Militar e o Conselho Tutelar, o que deve ser ampliado com a alteração do ECA.

Confira a entrevista na íntegra

Dourados News- Como de fato irá funcionar a nova lei?

Nélida Garcia Soares- Anteriormente a destinação de bebidas a menores de idade era considerada contravenção penal, agora passou a ser lei desde 18 de março. Para começar a funcionar nos estabelecimentos ou locais que comercializam esse tipo de produto, acredito que quem tem começar a fiscalização são os próprios proprietários, organizadores de festa, esses vão ser os primeiros “fiscais”, porque a partir do momento que nós estivermos na fiscalização e pegarmos no flagrante, eles serão encaminhados para a delegacia. Vale lembrar que a lei vai punir quem entregar, fornecer, servir ou ministrar bebidas alcoólicas a crianças ou adolescentes. Todos serão punidos da mesma forma e além de detidos pagarão uma multa e terá o estabelecimento fechado ou a festa interrompida. Outra questão é que a lei será aplicada a qualquer produto que possa causar dependência, os narguilés entram nesse esquema também, assim como fumos em geral.

D.N- Quais as penalidades para o comerciante que for flagrado vendendo bebida alcoólica a menores?

N.G.S- A multa será no valor de R$3 mil a R$ 10 mil o que será definido após transformar em processo e a decisão do quanto será arbitrado em valor e a penalidade de detenção virá do juiz. O estabelecimento da pessoa que for flagrada contra a lei será fechado até o pagamento da multa ser efetuado.

D.N- E no caso de haver reincidência?

N.G.S- Nessa situação também caberá ao juiz decidir. Nós iremos fazer o mesmo procedimento no momento da reincidência, aí depois virá o processo e a decisão do juiz.

 

 

A coordenadora acredita que  quem tem começar a fiscalização são os próprios proprietários (Foto: Rodrigo Bossolani) A coordenadora acredita que quem tem começar a fiscalização são os próprios proprietários (Foto: Rodrigo Bossolani)

D.N- Como será a autuação?

N.G.S- A fiscalização ocorre sempre com o flagrante. Antes disso pode vim a denúncia e nós vamos até lá para constatar a veracidade dos fatos. Sendo verídico realizamos o flagrante e faremos conforme a lei.

D.N- Essa lei valerá apenas para quem comercializa ou também será valida para quem serve os menores?

N.G.S- Para quem serve, para quem ministrar, para quem estiver fazendo festa, fornecer e vender, em todos esses casos.

D.N- Como deve impactar no Estado e no município?

N.G.S- No Estado não tenho como dizer, mas, para Dourados vem para ajudar mais e coibir, pois infelizmente na cidade o que é o chamativo é festa com bebida alcoólica, os famosos “open bar”, em que em tese seria proibida a entrada de menores, porém é o que acontece, por isso existe a nossa fiscalização, para atuar de forma a coibir que o menor esteja em situação de risco. Essa situação aqui é muito frequente, pois as pessoas não se importam com isso, é um verdadeiro descaso, alguns cuidam e outros não ligam e os menores sempre estão tentando burlar de toda forma para entrar, seja com documento de maior terceiro, sempre tem alguém que dá um “jeitinho” e não há fiscalização dos próprios organizadores desses eventos, dos donos dos estabelecimentos ou de qualquer um que trabalhe no ramo. Acredito que com essa nova medida eles devam se atentar mais a essa questão.

D.N- Há alguma pesquisa do consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes no Estado ou no município?

N.G.S- Acredito que não. Desconheço.

D.N- Acredita que com as festas “open bar” na cidade esse consumo fique de fácil acesso aos menores?

N.G.S- Fica muito pois, geralmente essas festas são feitas por universitários e então nesse caso chegam os calouros e esses geralmente são ainda adolescentes de 17 anos e em geral estão inclusos nessas festas. Sempre estamos pegando menores nessas festas, antes os retirávamos e agora já teremos essas outras procedências a mais.

D.N- Como será fiscalização nessas festas agora?

N.G.S- Será mais rigorosa agora. Teremos que realizar a abordagem geral nos eventos, acompanhados da Polícia Militar ou Conselho Tutelar. Teremos um foco maior na região das Universidades, em repúblicas, nessas festas que estão fazendo de calouros, todas as atléticas que tem feito esse tipo de festa, estamos e estaremos “em cima”.

D.N- Como esta regra será aplicada aos pais ou familiares que oferecerem bebidas alcoólicas aos menores?

N.G.S- Se for pego a regra é a mesma. Um exemplo que acontece é no Shopping, vemos o pai oferecendo bebida para o adolescente, valerá a regra da mesma forma. Ele será encaminhado para a delegacia e responderá tudo o que está na lei.

 

Coordenadora mostra estoque de bebidas e narguiles apreendido em uma festa que tinha menores como participantes (Foto: Gizele Almeida) Coordenadora mostra estoque de bebidas e narguiles apreendido em uma festa que tinha menores como participantes (Foto: Gizele Almeida)

D.N- Como será a fiscalização nos mercados?

N.G.S- Primeiramente vamos passar e dar uma advertência a esses estabelecimentos informando que precisam fiscalizar e se atentar. Na dúvida, é necessário pedir o documento, eles não poderão entregar esses produtos, mesmo mediante ao pagamento. Se a alegação for que não é para eles que é para outros que são maiores, esses que tem que vim comprar. Os maiores e os pais tem que ter consciência disso que o menor não pode comprar. Nós já vamos começar esse processo de advertir aos mercados e divulgar mais isso. Se for pego permitindo ao menor que leve esses produtos, quem estiver entregando será advertido, nesse caso o funcionário, mas o estabelecimento será responsabilizado também e responderá na parte administrativa. Sendo assim será lavrado o auto e criminalmente responde quem está entregando e administrativamente o dono do estabelecimento.

D.N- Como coordenadora dos fiscais do juizado dos menores, qual sua opinião sobre essa mudança?

N.G.S- Acho que estava mais do que na hora de vir essa lei porquê todas as vezes que nós pegamos, só tirava o adolescente e liberava o responsável pois não ia preso, então eles não estavam nem aí para a situação. Agora apertou mais e nós vamos pegar e prender acho que com isso eles vão cuidar muito mais para não vender esses produtos aos menores, tanto conveniência, shopping, até mesmo nos eventos grandes. Daqui uns dias começa a Expoagro onde nós temos flagrado muitos menores bebendo, em quantidade grande mesmo e nosso foco será em cima disso. Veio de maneira positiva e em boa hora.

D.N- A cada dia nota-se que os menores estão ligados a crimes violentos, o que na sua opinião tem influenciado isso? O consumo de drogas/ bebidas seria um fator?

N.G.S- Sem dúvida as drogas e bebidas influenciam. A bebida então por ela ser uma droga lícita é a porta de todas as outras. Esses menores começam a beber e daqui a pouco já estão consumindo outras drogas, e são dentro desse consumo que eles cometem atos ilícitos. Outro fator que acredito que influencia nisso é a falta dos pais que precisam estar mais presentes na vida dos adolescentes, dando atenção devida.

D.N- Acredita que haverá resistência dos comerciantes para aderir a nova regra?

N.G.S- Toda mudança enfrenta resistência. A princípio acredito que haverá resistência sim, mas, acho que vão se adequar e cumprir se não os prejudicados serão eles mesmos.

D.N- Em SP, policiais estão entrando a paisana em festas para fiscalizar essa medida e realizar flagrantes. Como analisa isso? Seria uma prática proveitosa em Dourados?

N.G.S- Aqui em Dourados nós da fiscalização nunca fizemos isso, mas tem situação que acho que existe a necessidade sim de ser infiltrado, pois, às vezes o momento em que nós chegamos aí o pessoal começa a fugir, começa a esconder um daqui, outro dalí e só com a infiltração seria realmente possível verificar como é o ambiente lá dentro. Quando nós chegamos aos eventos, se não pedem documento começam a pedir e começam a tirar esses menores também, o que já é corriqueiro para nós. Esse final de semana mesmo encontramos adolescentes de 14 anos embaixo da cama e escondido no guarda-roupa o que chegou a ser até engraçado. Aconteceu em uma festa de república e era open bar, eles deviam ter cuidado esse quesito na portaria. Nessa e em outra festa recentemente apreendemos uma grande quantidade de bebidas alcoólicas de vários tipos e narguilés. Nós estamos atentos a todo o tipo de festa e inclusive qualquer evento que houver denúncia dessa questão nós vamos averiguar juntamente a polícia e o conselho tutelar. Quanto a possibilidade de policiais a paisana para der esse tipo de flagrante já cabe a entidade da Polícia Militar, eles que tem fazer essa ação, mas, se houver essa necessidade nós podemos colocar os nossos fiscais para trabalhar dessa forma, seria uma boa ideia mesmo, tudo que for preciso para tirar o adolescente de uma situação de risco nós faremos.

D.N- A coordenação tem estrutura para realizar essa fiscalização mais rígida a partir de agora?

N.G.S- Temos sim e sem dúvida é o que já começamos a fazer. Estamos visitando os estabelecimentos, festas e cumprindo conforme a lei. É importante a colaboração de todos e com as denúncias nosso trabalho é facilitado. O Conselho Tutelar é de bastante apoio para nós. Eles não podem autuar, mas, mediante denúncia eles vão até ao local e fazem a apreensão e trabalhamos também em conjunto. A população deve denunciar. O telefone para quem quiser relatar situações como estas é o 3902-1751 em horário comercial e o plantão o telefone é 9955-7798.


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