'A corrupção só será combatida quando fizermos a nossa parte'


Dourados News

“Somos tentados, a todo instante, recorrermos ao “sistema classificatório”. Existem comportamentos e padrões sociais não tão aceitáveis. A corrupção, por exemplo, será combatida com efetividade quando fizermos a nossa parte e não apenas nas urnas, mas em nossas interações do cotidiano”.

As palavras acima são do policial militar e escritor, Rogério Fernandes Lemes, 39 e retrata basicamente a situação de boa parte da sociedade.

Em entrevista ao Dourados News, Lemes, que é nascido em Amambai, foi frentista em posto de combustíveis, vendedor, trabalhou em supermercados e chegou à função de cabo do Exército Brasileiro, antes de se tornar policial, em 2004, fala sobre sua outra paixão, a escrita e comenta o seu novo livro, Subjetividade na Pós-modernidade. “Comecei a escrever em janeiro de 2011. São textos sobre fenômenos do cotidiano”, relata.

Formado em ciências sociais pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Rogério é membro da ADL (Academia Douradense de Letras) e da Academia de Letras do Brasil Seccional MS.

Com espírito crítico, leva uma reflexão diante da situação vivida no país e deixa recado para um futuro melhor. “Desejamos segurança pública, por exemplo, mas não encaramos, de frente, nossos medos mais íntimos; não nos envolvemos a ponto de compreendermos que segurança pública é um assunto que diz respeito a todos”, relata.

Confira a entrevista na íntegra:

Dourados News - Você é escritor/poeta e policial militar. Em qual ordem?

Rogério Fernandes Lemes - Em 2004 fui admitido nas fileiras da gloriosa Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Até então, não imagina ser escritor ou poeta. Tudo na vida tem um tempo certo. O meu tempo literário chegou. Acredito que a experiência de vida desperta a poesia dentro de nossa alma. Nossos olhos percebem a beleza majestosa que há nas coisas simples. Poderia dizer que a ordem correta seria a técnica e depois, naturalmente, a literária.

DN - Como e quando começou a pegar gosto pela escrita?

RFL - Quando compreendi minha subjetividade no meu curto tempo de existência diante da imensidão do universo. Talvez a finitude seja uma das grandes responsáveis por despertar, em mim, o prazer do ato de escrever. O desejo em surpreender meus filhos, minha esposa - mesmo tendo que conviver com o fato de tê-los magoado algum dia - isso tem sido minha motivação maior: fazê-los participar de um momento especial. DN - É difícil conciliar o trabalho de policial com o de escritor?

RFL Não é difícil. Atualmente estou trabalhando na Comunicação Social do Batalhão de Polícia Militar e isso tem facilitado a produção de textos. Sempre que vem uma inspiração, rapidamente trato de fazer o registro, seja digitando ou escrevendo no meu caderno de textos.

DN - Quantos livros já lançou e qual deles se identifica mais com você?

RFL - Lancei, em 2013, o Amambai com Poesia para homenagear minha cidade natal pelos seus 65 anos de emancipação político administrativa; dois folhetos de cordel: Cidade Crepúsculo e Educação Patrimonial e Cultural de Dourados e agora o Subjetividade na Pós-modernidade. São produções diferentes e que refletem meu estado de espírito e minhas motivações em diferentes momentos da minha vida. Tudo aquilo que um artista produz é, senão, uma manifestação de sua identidade. Quando leio algo que escrevi é como se eu andasse por um caminho com meus olhos vendados. Sei onde dar cada passo.

DN - Fale um pouco sobre esse novo trabalho, Subjetividade na Pós-modernidade?

RFL - É um livro que reúne 46 textos argumentativos escritos ao longo de quatro anos. Comecei em janeiro de 2011. São textos sobre fenômenos do cotidiano. Utilizo o conceito de pós-modernidade para refletir sobre a interação social do nosso tempo. Abordo alguns temas complexos e que exigem certo distanciamento de respostas rápidas e pré-formuladas.

** DN - Pelas características, o livro tem bastante assunto polêmico que relata o que realmente acontece dentro da nossa sociedade. Como as pessoas têm reagido diante dessas temáticas?**

RFL - Positivamente. Muitas pessoas mandam seus comentários e suas impressões sobre certos textos que publico dizendo que gostaram e que não tinham pensado desta ou daquela maneira. Algumas dizem que me acompanham nas redes sociais há algum tempo. Outras já disseram que escrevo sem “sangue nos olhos”. Isso acaba motivando a produção de novos textos e novas reflexões.

DN - Hoje, podemos dizer que vivemos em um mundo ‘paralelo’ ao que realmente queremos?

RFL - Eu diria que assimilamos e reproduzimos alguns modelos socialmente construídos. Nesta perspectiva, priorizamos alguns desejos que, no final das contas, não nos satisfazem logo que os realizamos. Desejamos segurança pública, por exemplo, mas não encaramos, de frente, nossos medos mais íntimos; não nos envolvemos a ponto de compreendermos que segurança pública é um assunto que diz respeito a todos. Valorizar o policial, por exemplo, é uma maneira de enfraquecermos o crime organizado. Talvez a pergunta mais importante que deveríamos fazer é esta: o que eu estou fazendo da minha vida? As pessoas representam todo o tempo. O que realmente queremos?

"Desejamos segurança pública, por exemplo, mas não encaramos, de frente, nossos medos mais íntimos"

— Rogério Fernandes, policial militar e escritor

DN - Para finalizar, como classifica a sociedade atual num todo?

RFL - *Somos tentados, a todo instante, recorrermos ao “sistema classificatório”. Este é de direita; aquele é de esquerda; o outro é conservador e por aí vai. Mas eu pergunto: qual a função social da classificação? Mas vejo uma sociedade em constante aprendizado. Existem comportamentos e padrões sociais não tão aceitáveis. A corrupção, por exemplo, será combatida com efetividade quando fizermos a nossa parte e não apenas nas urnas, mas em nossas interações do cotidiano: não dirigir falando ao celular; não oferecer propina aos agentes públicos; utilizarmos os recursos naturais com sustentabilidade. São alguns exemplos que demonstram o quanto podemos reverter os pensamentos deterministas. Ações como essas inspiram a juventude e trazem, de volta, a importância da boa política.


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