'Há uma exigência de felicidade no período natalino', diz psicanalista


Midiamax

O fim de ano é uma época de reunião familiar, festas para comemorar o ano que se inicia. Mas, o que pode parecer a época mais feliz do ano, para muita gente torna-se um período de angústia e até ansiedade. O Jornal Midiamax procurou a psicanalista e professora mestre em Psicologia, Marisa De Costa Martinez, para o porquê dessa 'depressão' de fim de ano. Para ela, o período de Natal, Ano Novo, festas em geral, pode deixar as pessoas tristes, mas não quer dizer que estejam 'depressivas'. 

 

Como se diferencia a depressão da tristeza, e qual das duas é mais observada nesta época do ano?

Depressão é uma patologia. Tristeza é um sentimento. Todos nós temos momentos tristes. Há até pessoas mais tristes, o que não quer dizer 'depressivas'. A depressão, enquanto patologia da tristeza, precisa impedir que um sujeito siga com sua vida, com suas atividades diárias.

 

Fim de ano chegando, a decoração de Natal, o frisson da ceia e o iminente reencontro com parentes. Enfim, diante desses 'desafios' emocionais, têm sido comum nos depararmos com relatos, sobretudo nas redes sociais, de pessoas que não gostam da data. A que este sentimento melancólico pode estar relacionado? 

A tristeza ou a introspecção desses momentos de final de ano, normalmente, estão ligadas a fatores que são, entre eles relacionados: o reencontro com familiares e a retrospectiva do que passou. Estar próximo dos familiares é recordar-se de anos anteriores, quase sempre marcados de uma forma ou de outra, pelas neuroses de cada um. É justamente das relações familiares iniciais que advém nossas 'loucuras'. Inclusive, tem uma tirinha chistosa correndo nas redes sociais da qual é inevitável o riso, pois como bem disse Freud, “brincando podemos dizer tudo, até a verdade”. Essa diz: “O que queremos? – Viver o verdadeiro espírito natalino em família. – Como queremos? – Assando os parentes e confraternizando com o peru”. Mas por que é tão difícil essa tão idealizada felicidade em família? Respondo usando Tolstói: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma a sua maneira. Estar com a família pode ser uma tristeza. Mas, estar sem a família pode ser o problema, ou ainda, simplesmente fazer o luto do ano que finda. Você traz os relatos de infelicidade das redes sociais. Mas, por outro lado, são nas mesmas redes sociais que vemos as pessoas sempre felizes, sorrindo, viajando por todo canto. E isso escancara a nossa insatisfação, pois nos deparamos com a suposta satisfação dos outros.

 

Existe um nome para isso? 'Tensão Pré-Natal'?

É uma tensão relacionada à ansiedade de finalização. No caso, finalização do ano. Soma-se a isso a exigência de felicidade nesse período natalino. Vende-se isso. E, se tem alguma coisa que é oposta à felicidade é a exigência.

 

Com o falecimento de parentes é possível afirmar que os festejos de dezembro promovem uma espécie de ressurgimento do luto?

Sim, pois um luto é sempre vivenciado com as perdas anteriores. Então, o final do ano é outro luto, que é do ano que passou, que não fizemos tudo que gostaríamos e que podia ter sido melhor em vários sentidos. E é justamente por um luto estar interligado a outro, que muitas vezes não entendemos a dor do outro. Se não elaboramos determinada perda passada, ela irá reaparecer na perda subsequente. Cada um faz um luto que lhe é peculiar.

 

Lembrei-me agora do conto de Mario de Andrade chamado 'O peru de Natal'. Nele, uma família senta-se a mesa para desfrutar de um peru na noite de Natal após o falecimento, meses antes, do patriarca descrito como 'medíocre [...] desmancha prazeres', mas que após a morte, torna-se 'santo'. Então, por uma 'loucura' de um dos filhos, a família reúne-se, apesar da morte que a antecedeu. É como se as pessoas não mais pudessem confraternizar nada após uma perda. É claro que precisamos elaborar nossos lutos, mas isso não precisa ser na solidão. Cada um sente a dor da perda de uma forma, e é melhor falar disso do que isolar-se. Ficar só nesse momento só aumenta o mal-estar.

 

Uma outra hipótese dessa tristeza é a sensação de frustração e de metas não atingidas durante o ano que passou, além das dificuldades financeiras que surgem logo em janeiro. Por quê isso acontece?

Fora as contas a pagar, nessa época há o estímulo ao consumo desenfreado intensificado, e mais ainda com as redes sociais. Promete-se uma felicidade, que no final das contas é efêmera, pois no momento seguinte aquilo já se torna obsoleto. Lacan, psicanalista francês, nos diz que todo desejo implica uma falta. Por isso, não há como desejar o que já temos. Logo após, percebemos que o que desejamos é sempre outra coisa.

 

O que é possível fazer para driblar estes sentimentos tristes?

Penso que é preciso elaborar esses sentimentos. Saber de onde vêm e com o que estão ligados. Também é preciso saber que uma escolha mesmo que forçada é sempre uma escolha. Nós podemos sim escolher com quem passar essas datas, sem que nos sintamos 'obrigados' a estar com quem não nos faz bem. E se, ao final, nossa escolha for de estar com a família, saibamos que não precisamos resolver as neuroses de outrem. Já é tão difícil lidar com as nossas próprias neuroses. Se ainda tivermos que manejar a neurose alheia, a coisa fica ainda mais complicada.

 

Ignorar os sintomas desse estado pode culminar em algo mais grave?

Sim, acredito que há sempre um luto que é normal, e uma tristeza e introspecção também. Não é ignorando que esses sentimentos deixam de existir. Ao contrário, é preciso elaborá-los. Freud nos ensinou que precisamos recordar e elaborar isso para deixar de repetir de forma inconsciente.

 

O número de pessoas em busca de terapia aumenta nesta época ou logo no começo do ano?

Algumas pessoas acabam procurando a terapia, pois é um período de introspecção. O que é um fator que leva algumas pessoas a procurarem um tratamento. Mas, normalmente, é um período em que as pessoas 'tiram umas férias' de suas análises, porque viajam, ou recebem visitas, ou porque estão cansadas. E como tudo no Brasil começa depois do carnaval... esse retorno também ocorre nesse período.


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