Para especialista, Reforma da Previdência promove desigualdades a brasileiros


Midiamax

Fotos: Luiz Alberto Loureira

A Proposta de Emenda Constitucional do Governo Temer, que propõe uma grande e radical reforma previdenciária, foi recebida como uma das medidas mais impopulares dos últimos anos. Isso porque, dentre outros fatores, faz com que brasileiros trabalhem mais tempo para terem direito à aposentadoria. Além disso, especialistas também apontam que a solução encontrada pelo governo privilegia determinadas populações, não considera distorções regionais, sacrifica mais ainda os pobres e acentua as diferenças sociais, além de quastionar se o 'rombo' nas constas previdenciárias - estimadas pelo Executivo em cerca de R$ 140 bilhões para 2017 - é efetivamente real. Para comentar os diversos pontos polêmicos da PEC, que já foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara Federal, o Jornal Midiamax conversou com a advogada Sheyla Barbieri, especialista em Direito Previdênciário. Na entrevista, ela destaca porque a proposta é desigual e as consequências da reforma a longo prazo. Confira.

Jornal Midiamax - O déficit na Previdência Nacional projetado para 2017 orbita em torno de 140 bilhões de reais, de acordo com o governo. Uma reforma na Previdência é necessária ou esse rombo poderia ser contornado de uma outra forma?

Sheyla Barbieri - Na verdade, pairam dúvidas a respeito da existência do déficit da previdência afirmada pelo governo. Isso porque, em apertada síntese, o governo não considera a arrecadação com seguridade social como receita. Para pagamento dos benefícios da Previdência Social o governo arrecada da Previdência (contribuições de patrões e dos trabalhadores) e da Seguridade Social (contribuições sociais), mas esse último não é contabilizado pelo governo para fins de cálculo das receitas arrecadadas para pagamento dos benefícios, por isso sempre se fala em déficit. Ou seja, consideram apenas parte das contribuições sociais, incluindo somente a arrecadação previdenciária direta urbana e rural, excluindo outras fortes importantes, como o Cofins, o Pis-Pasep, entre outras. Especialistas afirmam que o dinheiro arrecadado pelo Governo com Seguridade, ao invés de ser gasto com pagamento dos benefícios previdenciários, são desviados para pagamentos da dívida pública, acrescentando que caso tudo fosse contabilizado como deveria, não haveria déficit e sim, superávit. Por outro lado, mesmo que se admita que existe o déficit alegado, o Governo, alternativamente, poderia se utilizar de outros meios para arrecadar mais, como por exemplo, cobrar eficazmente seus devedores, e ainda, diminuir os incentivos fiscais que somaram só neste ano a quantia de R$ 56,4 bilhões; tais incentivos fazem com que o empresário deixe de contribuir com sua cota parte para a Previdência, e em contrapartida, deveria fazer mais investimentos e consequentemente gerar mais emprego, porém, essas desonerações na sua grande maioria, não produziram o resultado previsto pelo governo, mas tão somente fizeram aumentar o lucro das empresas beneficiadas.

O governo Temer apresentou nesta semana os detalhes de seu projeto de reforma da Previdência, que dentre outras determinações, cria a idade mínima de aposentadoria 65 anos para homens e mulheres e o tempo mínimo de contribuição de 49 anos para recebimento de 100% da aposentadoria. Que leitura podemos fazer desta proposta no tocante aos direitos trabalhistas e previdenciários?

A exigência de idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, e ainda, a necessidade do trabalhador contribuir com a Previdência por 49 anos para que receba sua tão sonhada aposentadoria integralmente é o ponto mais controvertido da reforma, sem falar no tratamento igual entre homens e mulheres no cômputo da idade mínima. A mudança das regras nesses pontos é muito radical e, se aprovada, inviabilizará o acesso da maioria dos trabalhadores ao benefício, além de penalizar e muito as mulheres. Ora, primeiro que a regra de idade mínima, não leva em consideração as diferentes expectativas de vida do brasileiro em cada região; e ainda, para que se alcance a integralidade no valor do benefício, o cidadão terá que trabalhar desde os 16 anos, ininterruptamente, até os 65, o que se mostra praticamente impossível, pois, não considera os lapsos de tempo que certamente ocorrerão entre um emprego e outro. E ainda, tratar homens e mulheres de forma igual afronta diretamente o idealizado pelo legislador constituinte, que previu já considerou que as mulheres devem ser tratadas de forma diferente dos homens em matéria de aposentadoria, tanto que na Constituição de 88 há previsão de que mulheres devem se aposentar com menos tempo de contribuição que os homens.

Mudou alguma coisa com a Constituição Federal?

Não mudou muito. Isso porque é notório que as mulheres acumulam compromissos com trabalho, casa, filhos, ou seja, têm jornada tripla, e por isso ficam mais sobrecarregadas. Fisiologicamente, afirmam médicos, o corpo da mulher sofre mais com a gestação, menopausa e por isso também se justifica que mulheres possam se aposentar mais cedo que os homens. Não bastasse isso, o mercado de trabalho não dá às mulheres o mesmo tratamento que dá aos homens, uma vez que ainda nos dias de hoje ganham menos e sofrem mais discriminação. Enfim, neste aspecto não se pode igualar homens e mulheres, sendo necessário estabelecer condições diferentes a indivíduos diferentes. Acredito que caso seja aprovada essas novas regras, poderá mais trabalhadores partirem para a informalidade, e isso iria gerar efeito contrário, já que na informalidade o trabalhador pagará contribuições ao governo. Por outro lado, a idade mínima de 65 anos representa um limite duro para um país em desenvolvimento, onde a expectativa de vida não é das mais altas.  A mudança é muito brusca, já que na regra atual não há idade mínima para a concessão dos benefícios de aposentadoria, bastando que se preencha o requisito de tempo de contribuição de 30 e 35 anos, para mulheres e homens, respectivamente, e seu salários de benefício ficarão a critério do fator previdenciário, ou pode se alcançar a integralidade através da fórmula 85 (mulheres) e 95 (homens), que é a soma da idade e o tempo de contribuição, ou seja, nessa regra, na verdade, já se leva em consideração a expectativa de vida e tempo de contribuição, OU seja, torna mais justa a distribuição idade e tempo de contribuição, prestigiando quem começou a contribuir cedo com uma aposentadoria integral. Assim, a mudança nesse ponto é muito radical, de modo que acredito que não seja fácil para o governo aprovar a medida desta forma. É muito claro que é preciso um balizador, porque impor idade mínima de 65 anos logo no início é um exagero, ainda mais sem prever transição para quem tem menos de 50 anos. Isso vai dificultar muito a aposentadoria por tempo de contribuição para todos.

A senhora integrou a Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Mato Grosso do Sul). Existe algum posicionamento da entidade em relação a essa proposta? Qual seria?

Num primeiro momento a OAB entende que as mudanças são prejudiciais ao cidadão, mas designou membros das comissões do Conselho Federal para que seja feito um estudo detalhado do texto, e onde couber, certamente a Ordem irá se posicionar, sendo que o Presidente Lamachia já adiantou que a OAB não aceitará retrocessos.

Alguns especialistas apontam incompatibilidade entre a proposta do governo os mecanismos legais previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e na Emenda Constitucional Previdenciária. Existe alguma incongruência nesse aspecto?

Certamente os adolescentes mais pobres serão os mais prejudicados pela Proposta de Emenda à Constituição. Isso porque os adolescentes de família de baixa renda já começam a trabalhar mais cedo para ajudar no sustento da família e isso com certeza refletirá nos seus estudos, uma vez que, não obstante a Lei Trabalhista permita o labor a contar dos 16 anos, a verdade é que aos 16 anos, o adolescente deveria estar na escola concluindo o ensino médio e se preparando para fazer um curso superior, ou mesmo deveria estar numa escola técnica para aprender uma profissão. 
Se, por necessidade, os adolescentes começam a trabalhar mais cedo, caso a PEC seja aprovada, terão que contribuir pela vida inteira para poder desfrutar da aposentadoria por pouco tempo. Certamente que alguns deles sequer vão conseguir se aposentar. O trabalhador que entra no mercado de trabalho com 16 anos terá, por exemplo, que contribuir por 49 anos para o INSS para ter direito a dar entrada em sua aposentadoria e recebe-la integralmente. A expectativa de vida nas periferias e nas áreas rurais, principalmente, fica entre 55 e 60 anos de idade. Ou seja, essas pessoas vão contribuir uma vida inteira sem receber qualquer benefício.

Um dos fatores que desabonam a PEC de Reforma Previdenciária é que para receber integralmente a aposentadoria, o trabalhador trabalhará em média até mais de 70 anos - 75, 76, em alguns Estados brasileiros - faixa etária superior à expectativa de vida em várias regiões do país. Os estudos para elaboração desta emenda contemplam a realidade do povo brasileiro, levando em conta tempo de trabalho, expectativa de vida e as peculiaridades regionais dos mercados de trabalho?

Definitivamente não. A PEC não leva em consideração as diferentes expectativas de vida existentes entre as regiões do Brasil, especialmente das regiões Norte e Nordeste em relação as demais. Um dos obstáculos da reforma do sistema previdenciário será justamente lidar com a disparidade entre as expectativas de vida no país. Se analisarmos por estado, existe uma diferença de 8,4 anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre a maior expectativa de vida, registrada em Santa Catarina, e a menor, no Maranhão. Na Região Sul, a expectativa de vida está em 77,8 anos, a maior do Brasil, no Nordeste, onde fica o Maranhão, é 73 anos, só perdendo pra Região Norte, onde o tempo médio de vida dos brasileiros é 72,2 anos. Caso a reforma seja aprovada como o texto original, nesse aspecto, o governo estará tratando os brasileiros de forma igualitária, quando na verdade são muito diferentes. Caso fôssemos pormenorizar as diferenças de expectativas de vida por município, as discrepâncias são ainda maiores, pois, isoladamente, há municípios brasileiros que a expectativa de vida não passa de 65 anos. Nas periferias da cidade também se tem expectativas de vida menores quando confrontadas com as médias municipais e estaduais. Ou seja, os contribuintes dessas regiões não conseguiriam se aposentar. E ainda, não se pode deixar de considerar que a realidade do mercado de trabalho brasileiro é desprezar a força de trabalho dos mais experientes. Pessoas com mais de cinquenta anos tem muitas dificuldades de se retornar ao mercado de trabalho, de modo que a PEC não contempla esses trabalhadores. 

Um outro aspecto que tem sido alvo de críticas é que a PEC da Reforma Previdenciária poupa aposentadorias e pensões de militares, que seriam responsáveis por um déficit de 32 bilhões de reais. Haveria algum benefício coletivo caso a proposta atingisse todos os segmentos?

Com certeza. O governo apresentou proposta de Reforma da Previdência tanto para o setor privado quanto o público, a fim de tentar corrigir diferenças existentes entre esses trabalhadores, mas deixou de lado a tão necessária reforma das Aposentadoria e Pensões dos Militares, que apesar de serem regidos por Lei própria, não se poderia perder a oportunidade de corrigir as discrepâncias existentes, já que um dos motivos da reforma é justamente equilibrar as contas públicas. Ora, o governo está exigindo que os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos sejam obrigados a se aposentar com 49 anos de contribuição para receber proventos integrais, quando os militares vão para reserva com 30 anos de serviço se homem e 25 se mulher, com proventos integrais. E ainda, os trabalhadores e servidores não militares não mais poderão cumular aposentadorias e pensões, enquanto esses continuarão usufruindo de tal cumulação. Aliado a tais discrepâncias, é oportuno lembrar que, segundo dados do próprio governo, o déficit das Forças Armadas corresponde a 44% do rombo da previdência alegado pelo governo, embora seus servidores representem apenas 30% dos servidores públicos. Assim, não restam dúvidas de que os benefícios pagos aos servidores das Forças Armadas, militares civis e bombeiros, e seus dependentes, precisam também ser revistos, para que todos contribuam para a recuperação das finanças da Previdência. Por outro lado, os militares discordam da ideia de que precisem de reformas mais profundas como as que estão sendo propostas, sob alegação de que não recebem “aposentadoria”, uma vez que somente vão para reserva e podem ser convocados a qualquer momento para servir a Pátria. Afirmam ainda que, para que sejam tratados de forma igualitária aos demais servidores públicos, deve-se primeiro haver uma correção em seus salários para que se equiparem aos demais servidores do Poder Executivo, que segundo os representes dos militares, têm remunerações muito superiores aos dos militares, e quanto isso não ocorre acreditam que se justificaria o tratamento diferenciado para a categoria. 

Por fim, quais outros pontos a senhora considera mais polêmicos na proposta e por quê?

Em resumo, a PEC 287, se aprovada pelo Congresso Nacional, trará mudanças profundas na Constituição Federal no tocante a concessão das Aposentadorias, Pensões e demais benefícios da Seguridade Social. Podemos considerar que toda a proposta é polêmica porque mexe profundamente em benefícios devidos tanto para servidores públicos quanto para os trabalhadores da iniciativa privada. Umas das principais mudanças são na previsão de idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, de forma igual, com mínimo de 25 anos de contribuição, e ainda, alteração na forma de concessão das Pensões por Morte, especialmente quanto a desvinculação do salário mínimo como piso e a impossibilidade de que sejam cumuladas com aposentadoria. Não se pode deixar de lembrar também que as mudanças para os trabalhadores rurais, um dos mais prejudicados pela reforma, que ficarão obrigados a contribuição mensal e individual. Os trabalhadores do campo passarão a se aposentar com, no mínimo, 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.  Isso traz uma mudança radical, já que o trabalhador rural poderia se aposentar por idade a contar dos 55 anos se mulher e 60 se homem e com 15 anos de comprovação da atividade rural. Os trabalhadores dessa categoria normalmente nascem no ambiente rural e começam a trabalhar muito cedo, sendo que esperarem até os 65 anos para se aposentarem será muito penoso à categoria. Certamente, inviabilizará o acesso dos trabalhadores rurais ao benefício. Outra mudança profunda vem para os Servidores Públicos da União, dos Estados e dos municípios, os quais, pelo projeto de reforma, deverão respeitar o teto da aposentadoria que hoje é válida para os trabalhadores vinculados ao INSS, R$ 5.189,82, e ainda, o fim da paridade. Porém, esse teto vai valer apenas para os servidores contratados após a criação de um programa de Previdência complementar. Estados e municípios terão prazo de dois anos para criarem esses programas, como o que a União possui com a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), sendo que segundo o projeto, os Estados e municípios podem aderir à própria Funpresp. Lembrando que a decisão de aderir ou não aos programas complementares cabe a cada servidor. Para os trabalhadores que tem idade acima dos 50 anos e mulheres com mais de 45, terão direito a um regime especial, ficando regidos por uma regra de transição, que consiste basicamente em cumprir um período de contribuição adicional que equivale à metade (50%) do tempo que, na data a promulgação das novas regras, faltaria para completar o número de meses de contribuição que garante esse valor original.

A senhora pode dar um exemplo?

O trabalhador homem com 50 de idade e com 30 de contribuição, faltaria, pela regra atual, de mais 5 anos de contribuição para fechar os 35 anos; pela regra de transição terá que cumprir 50% de 5, que seriam 2,5 anos, ou seja, teria que trabalhar ao todo 7,5, e não mais os 5, para fazer jus a aposentadoria por tempo de contribuição. Por fim, esclareço que a regra de transição só vale para o tempo de aposentadoria, já que para o cálculo do benefício, valerá a nova regra que prevê que o cálculo do benefício será feito por meio da média simples de todos os salários de contribuição. A partir dessa média, será aplicado 51% mais 1% para cada ano de contribuição. Para o benefício assistencial previsto na Lei orgânica da Seguridade Social – LOAS  a mudança principal é a idade mínima que vai de 65 para 70 anos, com uma transição durará dez anos para a nova idade estipulada, e ainda, o valor do benefício agora também passará a ser definido em lei e não mais será vinculado ao salário mínimo. Por fim, é oportuno lembrar que a nova Lei, caso seja aprovada, não retroage em nenhuma hipótese, e quem preencheu os requisitos para a concessão dos benefícios que sofreram alterações em suas regras, com base na regra antiga, têm direito adquirido, mesmo que venha a requerer aposentadoria na vigência das novas regras, acaso aprovadas.


COMENTÁRIOS