'Os pais e a escola têm a grande responsabilidade no tocante à alfabetização', afirma supervisora de ensino


Por Daiane Libero | Fotos: Assessoria/Divulgação

No Dia Mundial da Alfabetização, comemorado nesta sexta-feira (8), os desafios da educação continuam sendo discutidos ao redor do mundo. A data foi instituída no ano de 1967 pela Organização das Nações Unidas (Onu) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com objetivo de enaltecer o processo de aprendizagem de ler e escrever para que isso fique sempre atrelado ao desenvolvimento de um país.

No Brasil, a celebração coincide com mudanças que estão sendo realizadas pelo Ministério da Educação (MEC) na grade curricular nacional de todas as escolas públicas e privadas. As mudanças na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamental chegaram, e as escolas de Mato Grosso do Sul já preparam a implementação dessas mudanças.

Para falar mais sobre o assunto com propriedade, convidamos a professora e supervisora do Ensino Fundamental (anos iniciais) do Colégio Salesiano Dom Bosco, Valdirene Alencar dos Santos. Leia entrevista na íntegra.

JORNAL MIDIAMAX: Dia 8 de setembro é comemorado o Dia Mundial da Alfabetização. Quais têm sido os principais desafios de alfabetizar uma criança hoje, dentro de um mundo onde os celulares trazem qualquer informação em questão de segundos, com a internet? Quais os principais desafios desse cenário em Campo Grande?

VALDIRENE: As diferentes tecnologias já fazem parte do dia a dia de alunos e professores de qualquer escola. Contudo, fazer com que essas ferramentas de fato auxiliem o ensino e a produção de conhecimento é o grande desafio. Vivemos em um mundo imediatista, no qual as informações são rápidas e dinâmicas, entretanto a educação caminha a passos lentos. Precisamos avançar, transformando essas informações em conhecimento. Em Campo Grande não é diferente. Diante de tamanha velocidade em que as informações são acessadas, os pais e a escola - numa parceira - têm a grande responsabilidade no tocante à alfabetização, pelo tempo despendido pelas crianças no manuseio de aparelhos eletrônicos.

JORNAL MIDIAMAX: Essa questão da alfabetização num mundo onde a internet é muito presente... As crianças já chegam com esse amplo acesso à informação. Isso acaba atrapalhando ou ajudando no momento de alfabetizar uma criança na idade propícia?

VALDIRENE: A criança chega à escola numa interatividade virtual intensa, com habilidades inerentes ao mundo ao qual está inserida. Cabe ao professor, como mediador, se apropriar dessas ferramentas como aliadas da prática pedagógica, numa visão crítica e transformadora dos conteúdos trabalhados, almejando que os alunos possam relacionar as diferentes linguagens, perceber sua utilização, característica e modalidades. Sabemos que muito antes do ingresso da criança na escola, ela já tem contato com esse universo tecnológico e, por isso, aprender a ler, significa aprender a ler o mundo e dar significado a ele.

JORNAL MIDIAMAX: Quais os principais métodos de alfabetização utilizados hoje? Quais os com mais sucesso e mais bem avaliados?

VALDIRENE: São muitos os métodos de alfabetização disponíveis, a escolha de um para ser implementado varia de acordo com a visão de mundo que o professor tem da sua prática, da responsabilidade e/ou do entendimento que a escola apresenta sobre alfabetização e do aluno que quer formar. Para a escola, isso fica mais claro quando é exposto no seu Projeto Político Pedagógico, já, para o professor, visualizamos em sua docência. Em todas as fases da vida, o ser humano está sempre aprendendo e descobrindo novas maneiras de ensinar, garantindo, assim, a sua sobrevivência e a integração na sociedade como ser participativo e ativo. O cientista Stnanislas Dehaene, em seu livro “Os neurônios da leitura”, apresenta um estudo que avalia que o método mais eficaz de alfabetização é o fônico. Ele parte do ensino das letras e da correspondência fonética de cada uma delas (letra/som). A criança alfabetizada por esse método aprende a ler de forma mais rápida e eficiente. Os métodos de ensino que seguem o conceito de educação global, por outro lado, mostram-se menos eficazes. No método global, a criança deve, primeiro, aprender o significado da palavra e numa próxima etapa, os símbolos (letras) que a compõem. Muitas vezes, a repetição é a “causa” do aprendizado e não o entendimento em si.

JORNAL MIDIAMAX: Não basta alfabetizar, é preciso que o indivíduo aprenda a interpretar textos e saiba desenvolver seu senso crítico. Como isso é trabalhado em todos os momentos da educação formal?

VALDIRENE: É comum ouvirmos que os alunos não possuem gosto pela leitura. Muitas vezes, a falta de motivação dos pais e/ou da escola faz com que os educandos não possuam esse prazer em ler, ou se possuem, corre um grande risco de perdê-lo. É por meio da leitura que o aluno consegue ampliar o seu entendimento de mundo, proporcionando acesso à informação com autonomia, permitindo o exercício da fantasia e da imaginação, além de estimular a reflexão crítica e a troca de ideias. As habilidades da leitura e sua interpretação devem ser trabalhadas em todos os níveis escolares. A intervenção docente nesta caminhada vai além do processo de seleção de livros, atividades sistematizadas, criação de projetos e eventos literários. O professor deve ser um grande leitor e incentivador. Comprometido com a prática social entre o ler e o compreender com prazer, ele deve oportunizar a participação e a reflexão sobre a importância dessas habilidades, para que o aluno possa ser capaz de realizar as inferências entre o que sabe e o que está lendo e criar outros pensamentos a partir da compreensão do texto com o contexto (autor e leitor).

JORNAL MIDIAMAX: Em abril deste ano, foram apresentadas novas mudanças na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Dentre as mudanças estão: antecipação da alfabetização de alunos para o 2º ano do ensino fundamental, as escolas deverão garantir que os estudantes saibam escrever bilhetes e cartas, em meio impresso e digital – e-mail, mensagem em rede social, entre outras mudanças. Como isso foi encarado e como estão sendo aplicadas essas mudanças?

VALDIRENE: Em muitas escolas, esse processo já acontece de forma muito tranquila. O aprendizado de uma criança não pode ser medida somente por sua capacidade de ler e escrever, mas principalmente pela compreensão, uso e aplicabilidade do que está escrito. Emília Ferreiro analisa que a construção do conhecimento da leitura e da escrita tem uma lógica individual, na escola ou fora dela. No processo de aprendizagem a criança passa por etapas com avanços e recuos, até dominar o código linguístico. O tempo para o aluno transpor cada uma das etapas é bem variado. Duas consequências importantes a serem observadas em sala de aula são: respeitar a evolução de cada criança e compreender que o desempenho mais vagaroso não significa que a mesma seja menos inteligente. A aprendizagem não é provocada pela escola, mas pela própria mente das crianças; elas chegam a seu primeiro dia de aula com conhecimento.

JORNAL MIDIAMAX: Essas mudanças de Base Nacional Curricular são necessárias? É difícil de realizar sua implementação nas escolas de Campo Grande?

VALDIRENE: Considero necessárias sim, pois nos dá uma Base Curricular que “iguala” todas as escolas, ou seja, os conteúdos ensinados em uma escola particular serão os mesmos trabalhados na rede pública. A grande dificuldade que vejo se dá no tocante às condições de implementação do currículo único, no que tange às condições físicas e estruturais das unidades escolares, bem como a condição social dos discentes, docentes e o acesso à informação. Realidades geográficas, econômicas e sociais não podem ser ignoradas na hora de fazer a mudança acontecer na prática.

JORNAL MIDIAMAX: Na sua opinião, de que forma essas mudanças são boas ou ruins para estudantes e professores?
VALDIRENE: A Base Nacional Comum Curricular ainda não está pronta, muitos professores ainda não tiveram conhecimento do seu conteúdo, não participaram das discussão e elaboração, fica difícil fazer um julgamento, pois essas mudanças acontecerão a longo prazo.

JORNAL MIDIAMAX: De todas as mudanças feitas na BNCC, quais você acredita que sejam mais positivas e benéficas? 
VALDIRENE: Acredito que reduzir as desigualdades de aprendizado, estabelecendo as habilidades e competências fundamentais em cada etapa da educação básica é louvável. O aumento no desempenho, padronização na elaboração dos currículos e preparação dos alunos, para que estejam aptos a competir igualmente pelas posições sociais, independente de sua origem escolar, é fundamental. Sou fruto da rede pública de ensino, desde as primeiras letras até a Habilitação Específica de 2º Grau para o Magistério. Acredito muito na educação, creio na capacidade humana de superar os desafios por meio do conhecimento e é isso que me move.

Fonte: Midiamax


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