'Sou inocente' e 'temos que pagar': as diferentes versões de Cuca


GLOBO ESPORTE

Entre agosto de 1987, quando deixou a prisão na Suíça e voltou para o Brasil, e abril de 2023, ao pedir demissão do Corinthians após sete dias de trabalho, o técnico Cuca mudou muitas vezes de versão sobre o crime ocorrido em Berna.

Como o ge revelou na sexta-feira, o processo de 1.023 páginas está guardado nos Arquivos do Estado do Cantão de Berna. Segundo a diretora da instituição, Barbara Studer, o documento mostra que havia sêmen de Cuca na adolescente que foi vítima de um ato sexual cometido em 1987 por quatro homens que na época eram jogadores do Grêmio.

Os advogados de Cuca responderam ao ge com a seguinte nota:
– A defesa de Cuca reputa ser lamentável o irresponsável linchamento por situações ocorridas há 34 anos [o julgamento ocorreu em 1989] e contrária à realidade dos fatos. Reafirme-se que Cuca não manteve qualquer relação ou contato físico com a vítima, que, aliás, não o reconheceu, conforme confirmado por diversas reportagens daquela época. Distorções e especulações serão responsabilizadas cível e penalmente, ainda mais por se tratar de processo sigiloso, evidenciando a precariedade e inconsistência de qualquer pretensa informação fornecida por terceiros.

Uma semana antes, o próprio Cuca negou que tivesse participado do ato – afirmou que apenas esteve no mesmo quarto, mas não viu a ação – e disse ainda que não foi reconhecido pela vítima.

– Esse é um tema delicado, um tema pessoal meu. Eu faço questão de falar sobre ele, e vou tentar ser o mais aberto possível quanto a isso, quanto ao que me cabe. É um tema que aconteceu há 30 anos, em 1987, eu fazia, não sei ao certo, estava emprestado do Juventude ao Grêmio, fiquei uns 20 dias para tirar o passaporte. Tenho vaga lembrança de tudo o que aconteceu porque foi há muito tempo. Nessa vaga lembrança que tenho, eu tinha 20 e poucos anos na época. Nós iríamos jogar uma partida, subiu uma menina ao quarto, o quarto era o que eu estava junto com outros jogadores. Era um quarto duplo. Essa foi a minha participação nesse caso. Eu sou totalmente inocente, eu não fiz nada – disse Cuca.

Mas depois que chegou ao Brasil, em 31 agosto de 1987, quando ainda era jogador do Grêmio, Cuca deu outra versão. De acordo com uma reportagem do jornal Zero Hora, recuperada neste sábado pelo portal Uol, Cuca disse:
– Estou de braços abertos para qualquer decisão. Temos que pagar, todos os envolvidos. Não adianta separar menor ou maior participação.

Dois dias antes, na edição de 29 de agosto de 1987 do jornal Zero Hora, Cuca havia se declarado inocente, mas admitiu que viu a cena.
– Fui em princípio condenado por algo que não cometi. Apenas olhei uma cena e isto me custou muito caro. Sofri muito com toda esta história.

Em março de 2021, em entrevista para a jornalista Marília Ruiz, Cuca se declarou inocente.
– Não fui julgado e culpado. Fui julgado à revelia, não estava mais no Grêmio quando houve esse julgamento com os outros rapazes. É uma coisa que eu tenho uma lembrança muito vaga, até porque não houve nada. Não houve estupro como falam, como dizem as coisas. Houve uma condenação por ter uma menor adentrado o quarto. Simplesmente isso. Não houve abuso sexual, [não houve] tentativa de abuso ou coisa assim.
Na entrevista ao jornal gaúcho publicada em 31 de agosto de 1987, Cuca e os outros três jogadores condenados no caso – Henrique Etges, Fernando Castoldi e Eduardo Hamester – relatam como foi o período em que ficaram presos na Suíça.

– Jamais pensei que uma coisa assim pudesse acontecer comigo. Não sei se foi ato infantil, um passo em falso, mas é difícil julgar os 50 dias em poucos minutos. Só posso garantir que isso nunca se repetirá. A tensão e a angústia quase me mataram. Se tivesse que ficar preso, eu preferia morrer. Eu pensava na minha mulher, quase nunca dormia. Quando conseguia, acordava, passava a mão do lado e não encontrava a Rejane. Aí me batia o desespero. Passei 10 dias sem falar nada e só me acalmava com injeções e sedativos. Cheguei ao desespero, cheguei a desacreditar em Deus, mas só podia falar com ele, por isso minha fé foi reafirmada – disse Cuca.

Os quatro foram detidos na noite de 30 de julho de 1987, acusados de terem trancado uma adolescente de 13 anos no quarto do hotel em que o time se hospedava, e terem abusado sexualmente dela. Foram libertados no dia 28 de agosto e voltaram para Porto Alegre no dia seguinte.

Dois anos depois, o julgamento do caso condenaria Cuca, Henrique e Eduardo a 15 meses de prisão por ato sexual com menor e coação, enquanto Fernando seria condenado a uma pena menor, de três meses, apenas por coação. Eles não estavam presencialmente em Berna durante o julgamento.


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